terça-feira, agosto 28, 2012

A menina Cleo

        RECORTE do artigo-entrevista de Alexandra Lucas Coelho a Cleonice Beraldinelli (96 anos, hoje)
 
        Foi uma menina bem-comportada, aluna de dedo no ar, de nota máxima, filha de oficial do exército. “Papai tinha livros de engenharia e coisas militares e mamãe uma bibliotecazinha sobre Napoleão Bonaparte.” Três irmãos, contando com ela. E como o pai foi transferido várias vezes, cresceram entre mudanças de casa: [...]
      Cleonice aprendeu a ler e tocar piano antes mesmo de entrar na escola.“Com quatro anos já sabia sonetos. Papai e mamãe tomaram uma professora de declamação.” Começou a declamar para as visitas. “Nunca fiquei nervosa por falar, sempre fui muito despachada. Mamãe gostava muito de poesia e em Itu [estado de São Paulo] representei no teatrinho do quartel A Ceia dos Cardeais, de Júlio Dantas. É a minha primeira reminiscência portuguesa.”
        Aos 12 anos já sabia “uns 200 poemas”, sobretudo brasileiros. “Não havia visita que não tivesse de ouvir a menina.”
 
Público, 28- 08 - 2012, pp. 26-27

 

terça-feira, agosto 14, 2012

«Recherche»


[…] É certo que o belo rosto da minha mãe brilhava ainda de juventude nessa noite em que me segurava as mãos com tanta doçura e me procurava deter as lágrimas; mas, justamente, parecia-me que não devia ser assim, que a sua cólera teria sido menos triste para mim que aquela suavidade nova que a minha infância não conhecera; parecia-me que, com mão ímpia e secreta, eu acabava de traçar na sua alma uma primeira ruga e de nela fazer surgir um primeiro cabelo branco. Esta ideia redobrou-me os soluços, e vi então a minha mãe, que nunca se deixava levar por qualquer enternecimento comigo, ser de repente invadida pelo meu, e tentar reter a vontade de chorar. Como sentiu que eu tinha dado por isso, disse-me a rir: «Aqui está a minha moedinha de ouro, o meu canarinho, que vai fazer da mãe uma palerminha tão grande como ele, se isto continua assim. Ora vamos lá a ver, se não tens sono e a tua mãe também não, não fiquemos para aqui a enervar-nos, vamos fazer qualquer coisa, pegar num dos teus livros.» Mas não os tinha ali. «Terias menos prazer se eu te mostrasse já os livros que a tua avó te vai dar no dia da tua festa? Pensa bem: não ficarás desconsolado por não teres nada depois de amanhã?» Eu, pelo contrário, estava encantado, e a minha mãe foi buscar um pacote de livros, nos quais apenas consegui adivinhar, através do papel de embrulho, o tamanho alongado, mas que, sob este primeiro aspecto, apesar de sumário e velado, já eclipsavam a caixa de tintas do dia de Ano Novo e os bichos-de-seda do ano anterior. Eram La Mare au Diable, François le Champi, La Petite Fadette e Les Maîtres Sonneurs. A minha avó, soube-o depois, começara por escolher as poesias de Musset, um volume de Rousseau e Indiana; porque, se é certo que considerava as leituras fúteis tão malsãs como os bombons e os bolos, não pensava que os grandes sopros de génio tivessem sobre o próprio espírito de uma criança influência mais perigosa e menos vivificadora que sobre o seu corpo o ar livre e o vento do largo. Mas como o meu pai quase lhe chamou louca ao saber dos livros que ela pretendia dar-me, voltara pessoalmente a Jouy-le-Viconte, à livraria, para que eu não corresse o risco de não ter o meu presente […] e mudara para os quatro romances campestres de George Sand. «Minha filha», dizia ela à minha mãe, «eu não era capaz de me decidir a dar a esta criança qualquer coisa mal escrita.» [...]

Marcel Proust. Em busca do Tempo Perdido – (tradução de Pedro Tamen) Vol I – Do lado de Swann, Círculo de Leitores, 2003, pp. 45 – 46

terça-feira, agosto 07, 2012

«Já somos o esquecimento que seremos» - Borges + Faciolince

[particularmente pungentes, as páginas que evocam o assassinato do Pai, médico e humanista, em público, não são para transcrever]

na manhã do dia fatídico «surge» «Epitáfio», poema de Borges, título que, de algum modo, se configurará como um antecipado epitáfio do pai de Fac.:

«[...] Suponho que terá sido nalgum momento dessa manhã que o meu  pai copiou à mão o soneto de Borges que tinha no bolso quando o mataram, ao lado da lista dos ameaçados. [...]»

Já somos o esquecimento que seremos.
O pó elementar que nos ignora
e que foi o rubro Adão, e que é agora,
todos os homens, e que não veremos.

Já somos no túmulo as duas datas
do princípio e do termo. O caixão,
a mortalha e a obscena corrupção,
os triunfos da morte, e as endechas.

Não sou o insensato que se aferra
ao mágico som do seu nome.
Penso com esperança naquele homem

que não saberá quem foi sobre a terra.
Sob o indiferente azul do céu
esta meditação é um consolo.

Héctor Abad Faciolince. Somos o esquecimento que seremos. [2006]. Lisboa, Quetzal, 2009, p. 290

quarta-feira, agosto 01, 2012

Morreste-me - J. L. P.

Antes da leitura integral desta sua primeira ficção, na FLIP 2012, José Luis Peixoto comenta-a, contando também o que então a contextualizou. 

G. lembra-se, por exemplo, da crítica de E. P. C. (no JL?) e é um dos possuidores da «austera» primeira edição, a «de  autor».

OUVIR, então, AQUI