sexta-feira, setembro 07, 2012

«não somos o que temos a certeza de sermos»

[Transplantado do «Alpabiblio»]

As biografias
António Lobo Antunes,
16:30 Quinta feira, 10 de Mai de 2012, Visão

[ler o texto completo no Endereço da Visão]

        Gosto muito de ler biografias mesmo sabendo que não biografam nada. Contam factos, acumulam testemunhos, relatam acontecimentos mas é tudo por fora, e saio delas sem conhecer um pito da pessoa a que o livro se refere. Sem conhecer um pito do que a pessoa é. Fico ao par de uma casca, porque o acesso ao miolo é impossível e o conhecimento da intimidade nos está vedado. Queria uma vida e dão-me historinhas. Porém, como gosto de historinhas, divertem-me. Não se consegue ter acesso ao interior de um homem ou de uma mulher através de episódios inevitavelmente exteriores. O que eles sentiram permanece inviolado. Sabemos dos seixos ou das algas na praia, não sabemos do mar. Extractos de cartas, de confissões, de confidências e a certeza que outras coisas por baixo, que as coisas importantes por baixo, intactas. Scott Fitzgerald sustentava não se poder contar a vida de um escritor porque ele é muita gente. Para mim não é isso, é a incapacidade de aceder ao fundo. Ficamos na espuma ou, na melhor das hipóteses, um bocadinho abaixo da espuma.
[...]
E se, por hipótese, eu publicasse a biografia de António Lobo Antunes não publicava a biografia de António Lobo Antunes nenhum, publicava a minha noção dele, dado que aquilo que somos, para nós mesmos, não passa da fantasia do que somos. A vida é um jogo de espectros, ainda que de espectros sinceros. E o que é a sinceridade? Mentir melhor, genuinamente convencidos que não mentimos? Nada é o que parece, afirmava Cortazar e, inevitavelmente, não somos o que temos a certeza de sermos.
[...]
[...] E a nossa vida, deixemo-nos de tretas, é feita de acontecimentos minúsculos, cujo carácter microscópico me encanta. Os breves surtos de grandeza da nossa existência são tão breves! Merecemos morrer porque a nossa dimensão é quase nula, desaparecermos, como as minhocas, no interior da terra. Não há grandes homens: há actos que, às vezes, são grandes e, acabados esses actos, regressamos de imediato, ao nosso curtíssimo tamanho, bichos da terra tão pequenos, ó irmão Luís.
[...]                                   [sublinhados acrescentados]

Ler mais: http://visao.sapo.pt/as-biografias=f663502#ixzz1ufd91CZ1
 

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